A menina da montanha - Tara Westover

A menina da montanha - Tara Westover
A trajetória real da americana que pisou em uma sala de aula pela primeira vez aos 17 anos até a conquista do doutorado em Cambridge.

O título original, "Educated: A Memoir", sugere que o livro vai nos apresentar uma vida em que a busca pela educação se entrelaça inextricavelmente com a história pessoal da autora. É essa odisseia que somos convidados a presenciar. O que descobri foi uma narrativa profundamente pungente, que abordava não apenas a busca pela educação, mas também a tormenta do fanatismo religioso, os laços familiares complexos e o intrincado emaranhado de transtornos mentais.

Na primeira parte das memórias de Tara, somos introduzidos à sua infância e adolescência em um vale montanhoso de Idaho, EUA. Seu pai, convencido de que as escolas públicas são uma conspiração governamental para corromper a mente das crianças, proíbe a educação formal.

"Na rodovia la embaixo o ônibus escolar passa e não para. Tenho apenas 7 anos, mas compreendo que esse fato, mais que qualquer outro, é o que torna minha família diferente: nos não vamos à escola."

O pai manipula a religião para impor uma série de restrições e tormentos a seus filhos, vivendo em constante paranoia de que sua família é escolhida e que não devem obedecer o governo. Eles vivem em uma realidade distorcida: sem registros oficiais de nascimento, sem cuidados médicos, sempre em um estado de desconfiança com relação a tudo.

"Não temos uma ficha médica, porque nascemos em casa e nunca fomos atendidos por médico nem enfermeira. Não temos registro escolar, porque nunca pisamos numa sala de aula".

Sob essa interpretação fundamentalista do mormonismo (embora a autora tenha feito uma nota dizendo que a história não fala de mormonismo e nem de qualquer outra convicção religiosa), a família de Tara exerce um controle abrangente sobre sua vida. Acidentes graves são tratados em casa e o pai mantém a crença firme de que o Apocalipse está à espreita, afirmando que qualquer pessoa que tenha sido tratada por um médico ou tomado remédios não será salva. A família sustenta-se através de um ferro-velho, onde as crianças trabalham desde muito cedo sem qualquer proteção, e vendendo produtos naturais feitos pela mãe, uma figura inquestionavelmente submissa ao modo de vida imposto ali.

A maneira como Tara Westover aborda um tema tão profundo e complexo com tanta sutileza é admirável. Apesar das numerosas cenas de violência, Westover nos guia com uma serenidade que alivia a narrativa, criando um vínculo íntimo que nos faz sentir como se estivéssemos compartilhando esses momentos com ela. É realmente uma proeza impressionante. O livro é tão cativante que se torna impossível desviar os olhos das páginas. Lemos avidamente, ansiando por descobrir como ela consegue se desvencilhar de cada situação complexa que enfrenta.

Um dos momentos mais tocantes e significativos da história de Tara ocorre inquestionavelmente quando ela decide trilhar o caminho da educação, incentivada por um de seus irmãos, e adentra uma sala de aula pela primeira vez. Com seu auxílio, ela se autodidata, presta o exame para a universidade e, surpreendentemente, é aceita mesmo sem nunca ter frequentado uma escola formal. A partir desse ponto, somos espectadores da odisseia de alguém que se encontra totalmente despreparado para o universo acadêmico, tentando desesperadamente se adaptar.

Ela compara sua entrada nesse novo mundo com a de um animal selvagem sendo abruptamente arrancado de sua floresta nativa, vivenciando um estado de pânico constante.

"Começou a prova. Eu nunca havia sentado numa carteira durante quatro horas numa sala cheia de gente. O barulho era inacreditável, mas eu parecia ser a única pessoa a ouvir, a única a não conseguir desviar a atenção do farfalhar das folhas virando e dos lápis raspando em papel."

Mesmo diante desse medo avassalador, Tara persiste, se agarra a essa tábua de salvação no vasto oceano da vida acadêmica e se permite navegar, ciente de que o processo de reinvenção será constante e necessário para que ela possa se manter naquele ambiente.

Essa jornada não se mostra como um caminho fluido e natural, como seria para a maioria dos jovens de sua idade. Pelo contrário, tudo naquele novo mundo se revela alienígena e desconcertante. Frequentemente, o retorno temporário à casa dos pais se torna um refúgio, um momento de paz em meio à tempestade. E é nesse constante fluxo entre avanço e recuo que reside a beleza da trajetória de Tara.

A narrativa evolui e, antes que nos demos conta, Tara está atravessando a King's Cross e, posteriormente, os imponentes portões do Trinity College, em Cambridge. O caminho que ela trilha é repleto de idas e vindas, triunfos e derrotas, glórias e desapontamentos. Ela mantém em segredo de todos a verdade sobre sua falta de educação formal, escondendo-se atrás de uma máscara bem fabricada, até ser confrontada por um de seus professores. Depois disso, ela vai, pouco a pouco, compreendendo que é impossível deixar sua montanha para trás sem carregar consigo parte do seu peso.

A narrativa nos faz confrontar a nós mesmos, questionando os limites da lealdade à família, e se é realmente válido perder nossa identidade, nossa essência, em prol dos outros.

"É estranho como a gente dá às pessoas que ama tanto poder sobre a gente, escrevi no meu diário."

As palavras da autora conseguiram, em diversos momentos, roubar-me o fôlego, deixando-me à beira da ansiedade. Ao final da leitura, senti-me estranhamente próxima a Tara, como se fosse uma amiga querida, e tudo que eu desejava era poder saber como ela estava, como estava lidando com o presente após todas as provações do passado.

"Havia começado a compreender que tínhamos emprestado nossa voz a um discurso cujo único objetivo era desumanizar e brutalizar outras pessoas, pois alimentar esse discurso era mais fácil, porque preservar o poder sempre dá a sensação de que é o caminho a seguir.

[...]

Eu nunca mais deixaria que me fizessem de soldado raso numa guerra sem propósito.”

"A Menina da Montanha" é um testemunho brutal, mas inspirador, da capacidade humana de superar adversidades e buscar conhecimento e liberdade. Westover escreve com franqueza e coragem, oferecendo um relato emocionante de sua vida que ilumina as complexidades das relações familiares, a importância da educação e a força indomável do espírito humano.

Este livro é uma leitura essencial para qualquer pessoa interessada em memórias que lidam com a superação de adversidades e a busca por autodeterminação. A história de Westover nos lembra que, não importa quão intransponíveis possam parecer as barreiras, a resiliência e a determinação podem nos levar além delas.

"Essa mudança do eu pode ser chamada de muitas coisas. Transformação. Metamorfose. Falsidade. Traição.
Eu chamo de educação."


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Tara Westover nasceu em Idaho, Estados Unidos, em 1986. Graduou-se pela Universidade Brigham Young em 2008, e posteriormente foi premiada com uma bolsa de estudos em Cambrigdge. Em 2010 foi pesquisadora visitante na Universidade de Harvard e por fim retornou a Cambridge, onde conquistou o doutorado em história em 2014.