A menina que não sabia ler - John Harding

A menina que não sabia ler - John Harding

O título provoca curiosidade pelo fato de lembrar “A menina que roubava livros”, certamente essa foi a intenção do título português, já que o original é “Florence and Giles”; e funcionou — eu fui atraída pelo título. Depois, vi uma capa bonita e uma sinopse interessante e logo inseri na lista dos livros desejados. Mas ao ler, quase ininterruptamente, percebi que a capa não combina em nada com a história, (diferente da capa original que tem tudo a ver com o enredo cheio de suspense, tensão e mistério).

A narrativa tem um início calmo e lento. A história começa contando a história dos irmãos Giles e Florence, que são filhos, órfãos, de mães diferentes e acabaram sendo mandados para os cuidados do seu tio, que não liga muito para os dois. Eles vivem em Blithe House, uma mansão, nos cuidados dos empregados do tio das crianças.

Mesmo começando com uma narrativa lenta, o livro é muito envolvente e nos faz querer mais e mais. É narrado pela personagem principal — a inteligente Florence — que usa inúmeras artimanhas para esconder o seu segredo: suas visitas frequentes ao seu novo mundo, a biblioteca. Ela se diz ter um ótimo vocabulário, mas por rigidez do tio em relação à educação das mulheres, ela usa expressões simples.

“Tal dissimulação transformou-se em um hábito frequente e foi motivada pelo medo, pelo grande medo de que, se falasse com penso, ficaria ficaria evidente meu contato com os livros e eu seria banida da biblioteca”.

É lá que ela, sozinha, aprende a ler e devora muitos livros escondida. Mesmo sendo proibida por seu tio de ser alfabetizada, a menina está sempre fazendo a leitura de muitos livros. As visitas de Florence à biblioteca é o mundo que seu tio está longe de imaginar que ela possa ter conhecimento da riqueza que é a leitura.

“Fui de prateleira em prateleira, pegando um livro atrás do outro, espirrando com a poeira ao abrir cada um deles. É claro que eu não sabia ler, mas por algum motivo isso me deixava ainda mais maravilhada, todos os milhares — ou milhões — de linhas codificadas com impressão indecifrável”.

Florence é uma menina com uma determinação surpreendente para sua idade. Ela faz o possível e o impossível para proteger seu irmão mais novo, chamado Giles. Não importando com as conseqüências que possam ocorrer com seus atos, ela se foca apenas em ter o irmão ao seu lado, em sua mente, a melhor forma de segurança para ele.

Entretanto, Giles é mandado para estudar fora e Florence fica na mansão preocupada com o bem estar do seu irmão, já que ele é sensível, além dos dois serem muito próximos, claro.

Depois de um tempo, Giles tem problemas na escola e é mandado de volta para casa e passa a estudar com uma preceptora, a Srta. Whitaker. Porém, o tempo da preceptora na mansão é curto e ela morre em um acidente no lago. É a partir daí que o livro começa a nos deixar inquietos e ansiosos pelo que irá acontecer na mansão Blithe, algo sombrio paira no ar.

Após a morte da preceptora no lago, chega a substituta, chamada srta. Taylor, que muda a vida e todos os planos de Florence — onde começa suas maiores preocupações em torno do que possa vir acontecer ao seu irmão e as suas idas secretas à biblioteca. A Srta. Taylor carrega segredos e mistérios, que desperta a atenção da menina Florence que tenta descobri-los.

Srta. Taylor, por algum motivo sabe que Florence sabe ler, mas mantém o silêncio.

“A Sra Taylor observou-o com um leve sorriso, mas não sem ternura; parecia que não conseguia olhar para Giles sem morder os lábios, e ao ver aquele sorriso percebi que ela sabia das minhas idas até à biblioteca. Ainda assim, eu não iria admitir de imediato, por isso me virei e caminhei lentamente pela sala, passando o dedo por um livro aqui, tocando a lateral de uma prateleira ali”.

A preceptora permite que a menina frequente a biblioteca e ainda sugere que ela tenha por perto o bordado para que, caso algum empregado apareça, seja possível esconder o livro.

O problema começa quando, em uma noite, a menina flagra a nova preceptora no quarto do seu irmão, cantando alguma canção e recitando as mesmas palavras que Florence vinha ouvindo em seus sonhos. A menina começa a elaborar planos à medida que descobre quais são as intenções da nova preceptora, mas não pode contar para ninguém pois suas suspeitas envolvem fenômenos sobrenaturais.

“Se ela quisesse uma luta teria uma, não importava que poderes sombrios tivesse à sua disposição. Eu seria a abelha de seu piquenique. Estragaria seus planos. Não desistiria. Não fui feita para isso”.

No final o leitor é obrigado a tirar suas próprias conclusões. Quem é Florence realmente? Com a versão apenas da garota, somos levados a pensar sobre todos os fatos e acontecimentos ao decorrer da história.

O final me deixou muito surpresa e ao mesmo tempo frustrada. Cada leitor pode ter suas próprias interpretações e ter suas conclusões. Como é narrado na perspectiva de Florence, fica impossível saber se tudo não passou de um devaneio ou se aconteceu de verdade.

A menina que não sabia ler é um livro parar ler sem ter a mínima idéia do que vai acontecer. Não tem clichê! Não dá para fazer adivinhações pois os acontecimentos não estão na cara. Para quem gosta livros com finais felizes e sem enigmas, certamente essa leitura não será muito agradável. Mas para quem gosta de uma leitura além do óbvio, será uma experiência e tanto.

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John Harding é um dos romancistas contemporâneos mais versáteis da Grã-Bretanha. Ele é o autor de quatro romances, todos muito diferentes um do outro. Seu último romance é Florence and Giles (2010), que foi inspirado no clássico de Henry James The Turn of the Screw.