Paula - Isabel Allende
Ler um livro sobre uma mãe que aguarda a morte de sua filha doente ao seu lado é algo que pode ser impensável para muitos. Temos nossos limites em conhecer o sofrimento do outro, mas a verdade é que esse livro não trata apenas da tristeza e do medo de uma perda irreparável. Nesse livro autobiográfico e muito pessoal, Isabel Allende alterna sua própria história com os meses angustiantes que passou ao lado de sua filha, Paula, em virtude de uma doença grave que a acometeu ao final de 1991.
"Paula" é mais do que um livro; é um santuário de memórias, um tapete entrelaçado de narrativas que atravessa o tempo, a geografia e o sobrenatural. Lançado originalmente em 1994, o livro se ergue não apenas como um testemunho literário, mas também como um monumento de amor materno e de confronto com o impensável – a doença e a perda de um filho.
“Há onze anos escrevi uma carta a meu avô, para me despedir quando ele estava morrendo, neste 8 de janeiro de 1992 eu escrevo para você, Paula, para trazê-la à vida.”
A obra começa como uma carta longa e contínua para a filha de Allende, Paula, que jaz em coma em um hospital em Madrid. O que emerge nas primeiras páginas é a imagem de uma mulher em vigília ao lado da cama de sua filha, cujo destino parece selado pelas mãos invisíveis do destino.O texto flui como um rio de reflexões pessoais, recordações e relatos do passado familiar, intercalados com a experiência de ver sua filha presa entre a vida e a morte.
“Para que tantas palavras se você não pode me ouvir? Para que estas páginas que talvez não leia nunca? Minha vida se faz ao ser contada e minha memória se fixa com a escrita; o que não ponho em palavras, no papel, o tempo apaga."
Isabel Allende narra a história de sua família com a maestria de uma contadora de histórias, fundindo o realismo mágico que caracteriza suas obras de ficção com a crueza e autenticidade de eventos reais. As páginas de "Paula" são povoadas com personagens vibrantes, desde o avô de Allende, um diplomata, até a tia espirituosa e clarividente, figuras que também aparecem em outras obras suas, mas que aqui são apresentadas de maneira íntima e pessoal.
O livro transita entre o presente desolador de Paula e o passado tumultuado do Chile e da família Allende. A autora descreve o golpe militar de 1973, que levou ao poder o ditador Augusto Pinochet, com uma proximidade cortante, pois seu primo, Salvador Allende, era o presidente deposto. A narrativa se aprofunda na forma como o golpe impactou a trajetória de sua família, resultando em exílio e uma busca constante por estabilidade e pertencimento.
Há uma honestidade pungente na maneira como Allende relata sua própria vida, desde seus casamentos e divórcios até as complexidades de ser mãe. Ela não se poupa da autocrítica e da reflexão, examinando as escolhas e os caminhos que a levaram até aquele quarto de hospital. A enfermidade de Paula serve como catalisadora de uma introspecção profunda, forçando a autora a confrontar suas crenças, sua história e o valor do legado que deixa para os filhos.
"Estou com a alma sufocada de areia, a tristeza é um deserto estéril."
"Paula" também é um livro sobre a transição de culturas e a experiência da imigração. Isabel Allende, tendo vivido em vários países, discorre sobre a sensação de deslocamento e a busca por identidade. A linguagem é rica e as descrições são vívidas, transportando o leitor para os locais que moldaram sua vida, desde a casa de sua infância no Chile até as ruas de Caracas e as paisagens da Califórnia.
Em termos de estrutura, o livro oscila entre a prosa e o lirismo, entre o desespero e a esperança, tecendo a vida e a morte em um diálogo constante. A forma como Allende se dirige a Paula, mantendo-a presente na narrativa, é um ato de resistência contra a silenciosa ameaça da morte. As páginas do livro se tornam um espaço onde a memória de Paula e a força da família persistem.
Ao concluir a leitura de "Paula", não se sai ileso. O livro deixa uma marca indelével, pois toca em temas universais como a dor, a saudade e a inquebrantável força do amor. Allende, com sua capacidade única de tecer a dor com a beleza, oferece um tributo à vida de sua filha que transcende o papel e tinta, alcançando um lugar onde a literatura encontra a eternidade.
Assim, "Paula" não é só uma obra para ser lida, mas sim vivida, sentida em suas dores e amores, e refletida na infinitude de suas emoções humanas. É um convite para abraçar a vulnerabilidade da existência e encontrar a beleza nas suas incontáveis facetas, principalmente quando Allende aborda sobre o hospital, a rotina maçante, o reino da dor.
“As misérias das doenças nos igualam, não há ricos nem pobres, ao atravessar este umbral os privilégios se esfumam e nos tornam humildes.”
É um texto sensível e que toca em assuntos difíceis, sem se deixar levar por uma visão extremamente melancólica. Talvez por conta dessa alternância entre os momentos em que reza pela vida da filha, com a leitura de suas memórias, faz a leitura ser menos dolorosa.
É um livro que emociona e inspira, esta obra é uma declaração do papel vital que os livros desempenham na vida da autora – como refúgio, inspiração e agora, como um meio de compartilhar, curar e talvez até de se despedir. A leitura nos deixa não só prontos, mas ansiosos pelo próximo encontro com as palavras de Isabel Allende, sabendo que nelas encontramos tanto um espelho de nossas próprias lutas quanto uma celebração da resiliência do espírito humano.
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Isabel Allende Llona, nascida em Lima, Peru, em 1942, é um testemunho do poder de reinvenção e da descoberta tardia de um talento inato. Embora só tenha mergulhado no universo literário aos 40 anos, com "A Casa dos Espíritos" (1982) – um êxito traduzido para mais de 40 idiomas –, a sua paixão pela escrita foi imparável. Outras obras notáveis incluem "Paula" (1994), um tocante relato sobre a perda da sua filha; "Filha da Fortuna" (1998); "O Amante Japonês" (2015) e "Para Lá do Inverno" (2017).
Sendo uma das vozes literárias mais célebres da América Latina, Isabel traz uma história de vida multifacetada. Filha de diplomata, encontrou-se refugiada da repressiva ditadura de Pinochet no Chile, e mais tarde, fez da Califórnia, nos EUA, a sua casa. Em suas próprias palavras, Allende descreve-se como "uma eterna estrangeira" e uma mulher que ostenta "cicatrizes de orgulho".