Perto do coração selvagem - Clarice Lispector

Perto do coração selvagem - Clarice Lispector

Primeiro romance de Clarice e o primeiro que eu li da autora. Não sei porque demorei tanto a ler Clarice, sinceramente. Mas acredito que toda leitura tem sua hora. Ainda bem que chegou a minha hora de ler um obra tão rica.

"Perto do coração selvagem" narra a vida de Joana de uma forma única, intensa e vibrante. É um livro que mexe com os nossos sentidos. Clarice vai além de contar uma história de uma mulher em busca da verdade sobre sua vida.

Joana é uma personagem forte, impulsiva, destemida. Tem uma forte antipatia pela bondade e por pessoas que sejam extremamente amáveis. Vemos durante a leitura o quão difícil é para ela, desde pequena, lidar com a vida exterior cercada por pessoas e ser interiormente atormentada pelas incertezas do seu lugar no mundo. Joana sente-se deslocada, não consegue encontrar um lugar comum, pertencer a algo.

Vamos conhecer a história de Joana através de uma narrativa que é feita a partir das lembranças da infância até a vida adulta. O fluxo de consciência é constante e, conforme vamos avançando entre os capítulos, conhecemos a mente e os desejos mais íntimos da protagonista.

Joana é órfã de mãe e pai e acaba morando na residência dos tios, mas não por muito tempo. Seus parentes ao conhecerem a natureza amoral, resolvem levá-la para um internato, onde Joana vive até sua vida adulta.

“Aos poucos habituou-se ao novo estado, acostumou-se a respirar, a viver. Aos poucos foi envelhecendo dentro de si, abriu os olhos e novamente era uma estátua, não mais plástica, porém definida”.

Todo o caminho percorrido pela personagem é permeado por devaneios e questionamentos.

Já adulta, ela sai do internato o casa-se com Otávio, mas sua vida não toma um novo rumo. Ao contrário, ela se mostra com os sentimentos selvagens, que não podem ser amansados, que são livres. Seu marido mantém uma relação extraconjugal com Lídia. É no meio desse triângulo amoroso que Joana explora o seu íntimo, seu mundo interno. Em suas divagações e isolamento, ela questiona os aspectos que norteiam a existência humana domesticada.

Joana torna-se solitária na busca por si mesma, que, por sua vez, rompe com o estereótipo do ser mulher.

A obra perpassa pela ideia de fragmentação de identidade, de não sabermos quem somos, de não sabermos qual o próximo passo, o que queremos construir com a nossa passagem pela sociedade.

Em meio a paixões, conquistadas e outras decepcionadas, em seu amor pelo pai, sua revolta com seus tios, sua relação com o mar e a água no geral, Joana manifesta sua sede pela vida. Há um desejo, de aparente insaciedade, de conhecer o mundo. De conhecer as estrelas, os montes, as terras desconhecidas.

A personagem é muito bem construída. Joana é intensa e complexa. Única. Quer e não quer. Pode tudo. Ou não pode nada. Segue a vida. Não chega a lugar algum. Tem desejos, mas não os realiza - simplesmente não deseja mais. A sua identidade não é constante, a todo momento ela está fluindo, construindo e desconstruindo, transformando-se, para o bem e para o mal. As vezes isso é confuso, mas é Joana, simplesmente. Ela caminha além da própria liberdade.

“Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”

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Aos 23 anos, Clarice publicou seu primeiro romance, em dezembro de 1943. Intrigou os críticos, talvez ainda causa intriga, mas o livro é um sucesso. Em outubro de 1944 ganhou o prêmio Graça Aranha.

Clarice não se enquadrou em rótulos e em sistemas literários. Sua escrita produziu uma literatura de excelência incontestável e estilo único. Estabeleceu-se como uma das maiores escritoras da língua portuguesa de todos os tempos.

Reconhecida pela crítica literária brasileira e estrangeira como uma das maiores escritoras do século XX, Clarice Lispector mudou os rumos da narrativa moderna com uma escrita singular, passando por diversos gêneros, do conto ao romance, da crônica à dramaturgia, da entrevista à correspondência e, também, pelas páginas femininas.