Tudo é rio - Carla Madeira
A narrativa de “Tudo é rio” gira em torno de um triângulo amoroso infeliz. A protagonista Lucy é a mais famosa profissional do sexo da pequena cidade, representando uma figura subversiva e desafiadora. Para a maioria das pessoas, Lucy é uma fonte de escândalo e vergonha, mas para ela, é sua liberdade e escolha pessoal. A autora, Carla Madeira, retrata corajosamente a trajetória de Lucy, uma mulher livre destinada à libertinagem desde a infância.
“Quando não sabia ainda nenhuma palavra, já era boa em deixar claro o que queria. Foi ficando grande aos paparicos, cresceu confiante. Era mais do que bonita, tinha alguma coisa irresistível no seu jeito.”
Apesar de sua fama, Lucy é atormentada por um sentimento de vazio e começa a confrontá-lo quando conhece Venâncio, um homem rude e bruto que não se interessa por ela. Lucy se torna obcecada por Venâncio, acreditando que ele é a única pessoa capaz de preencher seu vazio e amá-la, exatamente porque ele se recusa a fazê-lo.
Venâncio conheceu o amor através de Dalva, e um rio - intenso, quase transbordando, corria entre eles. Para quem via o casal de fora, o casal vivia um amor tão perfeito que parecia predestinado a acabar.
“Felicidade em demasia é dívida que não se pode pagar. A conta viria”.
Os dois estavam sempre juntos, se completavam, se amavam. Eram cúmplices, se bastavam. Eram apaixonados, perdidamente.
“Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.”
Mas a conta chegou para o casal através do ciúmes de Venâncio. Ele conheceu o amor com Dalva e o perdeu, por conta de seu temperamento explosivo – não vou dizer mais nada para não dar spoiler. Ele, portanto, se tornou um homem quebrado.
“O amor não é incondicional coisa nenhuma, tem suas fragilidades de matéria orgânica. Estraga, esgarça, rasga, inflama, acaba. E como acaba. É feito gente, depende do que vive. O medo esmagou o coração de Venâncio, não sabia desfazer o que estava feito.”
Carla Madeira nos faz viajar pela trama. Ela escreve sobre assuntos pesados, causa incomodo, mas ela nos envolve e propõe reflexões sobre questões cruciais sobre aquilo que é imperdoável, sobre a dor, sobre escolhas, sobre rejeição, sobre o amor perdido, sobre a escuridão, sobre o luto.
“Perder o amores é escurecer por dentro, uma memória do corpo que o entardecer evoca quando tinge o céu de vermelho.”
No prefácio, Cris Guerra diz que “o livro não é para ser bebido num gole só.” É verdade, é uma obra impactante, que mexe com nossos sentidos, precisa se tempo para ser digerida. Mas eu li “com dois goles”. Sentei para ler numa tarde de sábado e terminei no domingo. Foi uma leitura desafiadora. Me surpreende o fato de ser a obra de estreia da escritora mineira, minha conterrânea, Carla Madeira.
Terminei de ler com de ler mais algumas páginas. Fiquei frustrada com o final da história, o que não é não tira a beleza da obra, claro. Para mim, a obra terminou de forma brusca. Sinceramente, queria mais alguns capítulos.
“Tudo é rio” nos coloca diante de uma das perguntas mais difíceis da humanidade: é possível perdoar alguém que nos causou a maior dor da vida?
É uma obra sobre tudo aquilo que não se pode controlar. O amor, o ódio, a raiva, a rejeição, a dor, a morte.
“Alguns machucados a gente cuida, lava, desinfeta, se for preciso costura. O machucado dá casca, a casca cai e, com o tempo, a marca desaparece. Mas outros machucados a gente não tem muito o que fazer, não é mesmo? Ou porque causam um estrago de todo tamanho no corpo ou porque ferem an alma de um jeito irreversível demais. Um machucado desses destrói não só quem apanha, mas quem bate. Pior do que isso, acaba com o amor.”
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Carla Madeira nasceu em Belo Horizonte em 1964. Largou um curso de matemática e se formou em jornalismo e publicidade. Foi professora de redação publicitária na Universidade Federal de Minas Gerais e é sócia e diretora de criação da agência de comunicação Lápis Raro. Em 2014, lançou seu primeiro romance, Tudo é rio, um sucesso editorial, recebido com entusiasmo pelo público e pela crítica.